segunda-feira, 28 de março de 2011

Chanson d`après-midi (Porque educação tb é política)


Não posso mais.

Não posso mais suportar a miséria

de ser um intelectual numa massa de burgueses iletrados.


Não quero mais.
Não quero mais pedir desculpa por ter escolhido o estudo,
o conhecimento, a investigação.


Não suporto mais
ter que pedir licença:
Por não jogar futebol
Por não assistir Big Brother
Por não suportar crianças cantando nas telas de domingo à tarde.


Não aguento mais,
Ter que me submeter aos salários ridículos,
Ter que explicar o óbvio
Ter que suportar que todos os meus superiores
possuem no máximo 0,75 da minha formação.


Venho tendo que esconder meu doutorado:
como explicar que, depois da faculdade, vou estudar mais quatro anos
e não me tornarei um médico.
E se não era para ser médico, o que é ser doutor?


Eu sou uma minoria.
Mas uma minoria que não entra em nenhuma cota.
Não há ressarcimentos para minha categoria.


O preconceito que me vitimiza, não é previsto pelo código penal.
Não há o que denunciar.
O professor é um pária, um dálit
(e só posso usar este conceito porque a novela das oito já o democratizou por nós).


Porque deveria ser mais remunerado?
Babás são sans-culottes que não devem almejar altas remunerações.

Somos Baby-sitters.
Alguém precisa suportar os adolescentes hidrófobos
criados à websites, punheta e farinha láctea,
enquanto seus pais vão para o trabalho em suas pick-ups koreanas
com direção hidráulica e ar condicionado.


Pode uma babá ter pick-up koreana?


Fodam-se as pick-ups koreanas.


Quero minha parte em livros.
E sou idiota o suficiente para querer um bom salário para ler os muitos livros
que eu troquei com a maldita e fedorenta pick-up koreana
cedida gentilmente pelo analfabeto pai de meu aluno.

Mas todos tem direitos.
E o mais sagrado é o direito à miséria intelectual.
Tu queres entender a Revolução Francesa? A violência de um Robespierre?
Pede para o pai do teu aluno comprar um livro.
Um livro que meu filho não usará nem um ano!!
60 reais, que absurdo!!!

Quanto que o filha da puta
põe de combustível para ir tomar sorvete com o filhão?
(orgulho do pai: xinga todos os pretos e nordestinos que vê pela frente!)
Pede para a empregada sair do elevador do condomínio
(o lugar dela é o de serviço).


Por quantos tatuados ele já atravessou a rua,
dizendo ao filhão:
"Veja como esses marginais deformam o corpo"

E eu agradeço a minha miséria.
a minha inutilidade social:

O mundo é feliz, as pessoas estão ótimas,
não há mais nada que elas devam aprender...
A democracia chegou a todos,
e para qualquer outras coisas existe Mastercard!


Ganhamos o direito à dívida.
Ao sagrado coração do Cheque especial,
À nossa Senhora do Cartão de Crédito.
Ao divino Espírito Santo do celular...


E para que a poesia?

Não há mais nada para ser criado.
O mundo é um mero detalhe que passou despercebido
naquela latinha da sopa Campbell do Warhol...
...Mas os bramas de hoje não sabem quem foi Warhol.
E pensam que Brama é marca de cerveja.

Eu tenho saudade da aristocracia quando ela era elegante e educada.
Eu tenho saudade da direita, quando não se rendia às persecuções.
Eu tenho saudade do socialismo romântico porque era prá todos.


Eu vou parar de poesia, vou ganhar muito dinheiro...
– Mamãe, quando eu crescer eu quero ser plebeu!


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Um comentário:

Unknown disse...

Logo que dei uma lida rápida no seu blog elegi esse como meu poema preferido...Não sei se porque o texto é especialmente bem escrito(mas acho que isso é sempre)ou se porque me identifiquei de cara com o texto...
Hoje li de novo,procurando ou confirmando ansiosamente uma resposta para esta vida que caprichosamente me desvia da sala de aula...Com a diferença de que hoje,agradecida me resigno as resposta que diariamente tenho encontrado!

Saudade Professor!

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