quinta-feira, 10 de junho de 2010

Soninha entre demônios e capetas

Site do PPS
Li aqui no Caos um texto interessante de Soninha Francine, explicando o porquê de seu apoio a José Serra. Um dos pontos principais é que, na sua experiência como vereadora, ela viu ser injusta a transformação do então prefeito no diabo em pessoa, feita pelo seu partido na época, o PT. Um trecho:
“Enfim, eu o detestava. Até ser vereadora e ele, prefeito. E descobrir que o demônio que pintavam não era nada daquilo. Mal humorado, impaciente, carrancudo, ríspido demais às vezes? Sim. Mau caráter? Não.”
Um belo texto, convincente. Utiliza-se da infalível construção em torno do eixo aparência / realidade, mostra a transformação da personagem no curso da narrativa e faz apelo a uma imagem de tipo novo na política, com “papo real”. Por isso, e pela moral que Soninha tem, aliás merecida, o discurso faz efeito, o que se percebe bem neste comentário:


“Rangel disse...

Bacana da parte dela. Acho muito legal alguém abandonar as paixões partidárias e ver a coisa pelo lado prático, ali, no 'meiozão', na realidade dos fatos e registrar pra quem quiser ler.
Parabéns e agora sou seu fã, Soninha.”
Sem dúvida são empobrecedoras essas reduções maniqueístas do outro a demônios. Elas forçam a barra, envolvem simplificações, dependem de baixo nível e, em termos de eficiência de campanha (o que não é o mais importante), acabam até fortalecendo o adversário, pois comprometem a credibilidade de quem as formula.
Dá pra perguntar, porém, se a própria oposição hoje não vive de uma, com o perdão, capetização do petismo. Se o  mensalão não conseguiu colar na imagem de Lula – acima do bem e do mal, segundo declaração recente de Serra – é certo que prejudicou e muito a opinião geral sobre o partido. Vejamos duas faces recentes do discurso sobre esse capetismo:
1) “O PT defendia a ética e fez igual a todo mundo, logo é pior que todos” – estranho raciocínio, que premia a honestidade daqueles que sempre roubaram, mas nunca fingiram fazer diferente (será que não?): o sujeito detesta petistas porque seriam como os outros e então passa a apoiar… os outros. Dessa forma, viu-se o PPS criticar o governo Lula, principalmente sob a bandeira da ética, de mãos dadas com o republicaníssimo DEM (como bem apontou Rodrigo, “o ARENA, perdão, PFL, desculpa, DEM”). Soninha foi sub-prefeita da Lapa na gestão Kassab até deixar o cargo para ser, agora, pré-candidata, provavelmente ao senado. Contra essa DEMonização, ela não falou. Na Bahia, o PPS declarou recentemente, contra o PT do governador Jaques Wagner, apoio ao PMDB de Geddel Vieira Lima.
Quanto à bandeira da ética, vale lembrar que Soninha só mudou de partido e de lado quando isso lhe daria oportunidade de candidatar-se à prefeitura. Marina Silva analogamente só saiu para o PV no momento em que se viabilizou sua candidatura à presidência. Nem de longe é questão agora de demonizá-las, até porque ambas  têm muito a adicionar a nosso contexto político. Mas, em se tratando de política, se devemos relativizar os demônios, não custa humanizar as figuras angelicais.
O_PT_e_o_Diabo 2) “O PT é um partido autoritário, de DNA stalinista, usa da democracia só quando isso é de seu interesse imediato” – ora, quem quer que já tenha se aproximado da dinâmica interna do partido sabe da infinidade de tendências  discordantes, do quebra-pau que acontece ali dentro. Confunde-se unidade de ação (é de se perguntar se quem critica por alto a prática pensa em como deve funcionar um partido democrático) com tendências ditatoriais. Veja-se, além disso, como são tomadas as decisões no PSDB, entre três ou quatro grão-tucanos em restaurantes chiques dos Jardins. Mas ali estão nossos grandes democratas, certo?
Ainda que não se deva elogiar nem esconder a corrupção (aliás, quem deu mais liberdade à Polícia Federal e ao Ministério Público?), e que tudo indica ter havido uma forte hegemonia interna de um tendência no partido nos últimos anos, esse tipo de discurso em nada contribui para uma compreensão do que é o PT. É uma charge apressada, fácil e de gosto duvidoso.
Mas o erro mesmo é achar que a oposição ao PSDB e ao DEM dependa desses processos de diabolização. Raciocínios como o de Soninha às vezes dão a entender que só poderíamos ser contra Serra se o tomássemos como o satanás em sua forma vampiresca.
A questão não é simpatizar ou não com Serra pessoalmente, babar ou não com as entrevistas de FHC. O debate não deveria passar por quais são os nossos principais problemas e que grupo político tem condições de resolvê-los? No Brasil de hoje, que interesses cada um representa? Quem contribuiu mais para a redução das desigualdades? Qual deles tem mais compromisso com os mais pobres, com nossa soberania?
Me parece bastante possível posicionar-se a favor de Dilma e contra Serra a partir dessas questões, sem que ele nem de longe precise ser satanizado. E é um pouco demais dizer que as críticas à oposição só podem ser feitas na base do “ou Lula ou Lúcifer”.

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