segunda-feira, 12 de abril de 2010

De olhares e burrinhos; e da massa cheirosa

Prezados: tenho estado omisso do nosso blogue, em razão de minha tarefa de escrita. Creio que minhas contribuições diminuirão consideravelmente até a entrega de meu texto para a defesa. Chega uma hora que você tem ficar em hiperfoco. Não tem jeito. Tentarei, no entanto, acompanhar as postagens. Por hoje, faço duas intervenções.

A primeira é um comentário apenas, e retomando a foto do estudante-policial-policial-estudante-que-carregou-a-soldado: Walter, vi seu texto "De como se desfazem barbas ou ideologias" - ou algo assim. Você disse algo sobre "vemos o mundo segundo como nosso olhos e conveniências querem". Lá pelas você escreve:

"(...) blogues e sites ligados ou simpáticos ao petismo, à esquerda e aos movimentos sociais logo apontaram a imagem como um símbolo da solidariedade humana e, por extensão, dos movimentos sociais contra a truculência das forças do governador paulista José Serra.

Um caso emblemático foi o site do jornalista Paulo Henrique Amorim, com o sugestivo título: "Leandro: professor carrega policial ferido. O mundo bizarro de José Serra". Justiça seja feita, experiências também partilhadas por este blog, tanto em momento de silêncio de Rodrigo Cerqueira, quanto em homenagem prestada por Renato Rezende.

O jovem barbado seria um professor paulista da rede estadual, uma espécie de novo heroi urbano a defender não apenas os sindicalistas reprimidos pela política neoliberal. Como convém a todo campeão da justiça e do bem, seu código moral seria tão benevolente a ponto de socorrer mesmo um agente do seu pior inimigo, ferido na batalha contra o maligno presidenciável. Traços como juventude, ligada à renovação, e a luta política, associada ao idealismo, encaixavam-se perfeitamente com o arquétipo dos herois antigos e modernos ainda presente nas mentes contemporâneas.

Mas como bem disse um de meus colegas blogueiros aqui no Caos à Política, a alegria durou muito pouco. Em questão de horas, a Polícia Militar de São Paulo divulgou nota anunciando que o jovem era um policial vestido à paisana. A informação caiu como uma bomba sobre o novo mito construído. Não era a revelação de uma fraqueza do personagem, tal qual um calcanhar vulnerável ou um meteorito alienígena radioativo. De novo heroi esquerdista alçado à glória em vida, o jovem barbado passou a ser tachado como um feiticeiro encantado a enganar os mocinhos socialistas, um tipo de metamorfo que conseguiu penetrar a fortaleza da justiça do Sindicato dos Professores paulistas. Clark Kent na verdade era Lex Luthor; He-Man, o Esqueleto; Hiro, o Sylar!

A descoberta foi tão aterradora e medonha que o site do Paulo Henrique Amorim não corrigiu a informação, o colega Ricardo Cerqueira continua no silêncio e o meu amigo Renato Rezende apenas comentou a loucura do inusitado."

Walter, no meu post "Também me calei", eu havia escrito:

"Rodrigo, também me calei ao ver a foto do estudante carregando o policial. Me calei como forma de prestar homenagem à nobreza do estudante; me calei como forma de prestar minha solidariedade ao soldado e a seus familiares - Renato."

Ou seja, meu silêncio foi em homenagem àquele que julguei ter ajudado um "rival", como foi sobremaneira uma solidariedade àquela pessoa, a soldado, que estava ferida. Você escorregou na leitura ou perdeu a honestidade intelecutal que critica? Seu comentário dá a entender que eu "apenas ovacionei" o suposto "heroi marxista" barbudo, e, "por extensão" estaria também fazendo loas aos movimentos sociais infestados destes santos, e não teria dirigido o mesmo sentimento a quem estava machucada.

Walter, só quem já foi a estádio de futebol ou a qualquer manifestação democrática; só quem já vivenciou (no sentido benjaminiano da coisa, e não apenas "experienciou", tal como conceituou o filósofo) um momento de confusão coletiva sabe o quanto é difícil e ruim sentir dor num lugar desses: uma cotovelada involuntária no meio da correria; um tombo; o gás lacrimogênio sufocando sua garganta e arrebentando com seus olhos.

Não sei se você já foi a um jogo de futebol com mais de 50 mil pessoas e uma briga estoura. Ou um show musical, que não religioso, onde brigas feias podem acontecer (ex. Show d'O Rappa em 2000 no Jaó, em Goiânia), porque, a "alma da massa", como postulou Gustave le Bon (2 ano de jornalismo...?) é destrutiva.

Já viu alguém apanhar e você não poder fazer nada?

Acredito que certamente que já tenha ido a alguma aglomeração em que há discórdia (tipo, uma passseata por reivindicação, saca?) e, assim sendo, sabe que e os ânimos afloram se há partes divergindo, de sorte que alguns acabam machucados, mas você fica ali, intelectualmente firme, acreditando que sua reivindicação é justa, afinal (não consigo não pensar na ironia de Nietzsche, em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral), ele, o intelecto, "foi concedido apenas como meio auxiliar aos mais infelizes, delicados e perecíveis dos seres, para firmá-los um minuto na existência, da qual, sem essa concessão, eles teriam toda razão para fugir". Mas de repente instala-se o salve-se quem puder; e ver alguém machucado no meio da correria, o máximo que posso sentir é solidariedade para com a pessoa ferida, porque, se ficar de bobeira, "vem cá vem ver, que dentro do tumulto pode estar você", como escreveu o Marcelo Yuka.

Assim, quando você comenta:

"

Mas esses fatos, imagens, evidências estão em silêncio; eles não falam. Somos nós que damos significado a eles. As interpretações que fazemos resultam de nossas pressuposições pessoais, de nossa visão de mundo, de nosso histórico pessoal. Com barbas e imagens se fazem e se desfazem as ideologias"

Eu tenho a dizer que concordo. O comentário acima,

que dá a entender que eu apenas prestei solidariedade a quem ajudou,
me lembraram o Memorial do convento, do Saramago. O casal Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas tomam seu burrinho e partem em busca da máquina de voar, movida a vontades, inventada pelo padre Bartolomeu. A máquina se perdera nos céus e caíra em algum lugar do reino. Quando a encontram percebem a dificuldade que será reconstruí-la. Levará dias!! Mas o casal apaixonado é determinado: passa dias escondido no mato consertando-a, enquanto o burrinho pacientemente pasta. À noite, eles contemplam as estrelas. E mais à noite, ramas de folhas verdes onde o casal dorme balançam, vão e vem, com um ímpeto incrível, e o burrinho não entende porque seu alimento se move assim, àquela hora. Ao que o narrador emenda: "Cada um vê o mundo com os olhos que tem".

Sobre o comentário do leitor "Marvin", eu achei uma esquisitice ele falar que o rapaz seria um policial infiltrado. Ledo engano o meu!
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E porque falei em "massa" nesse post, segue um vídeo-cast que vi hoje. Porque a fronteira entre jornalismo e tietagem é tênue nos tempos que correm...

http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u719002.shtml




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