quarta-feira, 7 de abril de 2010

Azevedo: Dilma e as incoerências históricas do PT

Texto publicado originalmente na coluna de Reinaldo Azevedo de 7/10/2010, com o título "DILMA NO TÚMULO DE TANCREDO: FINALMENTE, O LOBO EM PELE DE CORDEIRO". – Walter Dos Santos
A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, tenta desesperadamente chamar a atenção. A iniciativa mais recente, de fato, é de lascar. Em seu périplo mineiro, decidiu botar flores no túmulo de Tancredo Neves. Segundo ela, o presidente Lula realizou o sonho do mineiro eleito presidente, mas que não chegou a tomar posse. Pouco importa de que lado se esteja da peleja, pouco importa a torcida, o fato é que o gesto é de uma impostura fabulosa.

A oposição divulgou uma nota em que acusou Dilma de “encenação” e “prática eleitoreira”. É um pouco mais: trata-se de uma farsa, porém exercida com método.

O PT combateu ferozmente Tancredo Neves
e se negou a participar da votação no Colégio Eleitoral, que era, àquela altura, o único caminho possível para evitar a eleição de um presidente ainda indicado pelo Regime Militar. Sem a união do PMDB com o grupo de dissidentes do PDS — Frente Liberal, que seria o núcleo do futuro Partido da Frente Liberal (PFL) —, Paulo Maluf teria sido eleito presidente da República.

ATENÇÃO! Não é que o PT tenha apenas se oposto oficialmente à participação no Colégio e pronto! Ele expulsou 3 de seus então 8 deputados que contrariaram a orientação e decidiram votar em Tancredo: Beth Mendes, José Eudes e Airton Soares. Isto mesmo: expulsou, botou na rua, não quis mais saber, jogo-os aos leões. Foram tachados de “traidores”. Por quê? Porque, segundo os petistas, tudo não teria passado de uma tramóia para fazer a transição negociada. Tramóia? A emenda das Diretas tinha sido derrotada pelo Congresso.

Este é o PT. Construiu-se depredando reputações, dizendo um “não” sistemático a todas as tentativas honestas — as atrapalhadas e as boas, tanto fazia — de melhorar o Brasil que não estivessem sob o seu controle e sob o seu comando.

E vejam que coisa fabulosa: José Sarney, indicado pela Frente Liberal para ser o vice de Tancredo, acabou assumindo a Presidência. Os petistas lhe fizeram oposição ferrenha — num momento em que, vá lá, ele estava do lado que fazia avançar a democracia. O PT só se uniu a Sarney em 2002, quando ele estava de volta a seu nicho original, o coronelismo mais atrasado, ecoando o patrimonialismo mais primitivo.

Não foi só o Colégio Eleitoral que o PT sabotou não:


- tachou a Constituinte e a Constituição de tramóia das elites; o partido se negou a homologar o texto numa solenidade simbólica de adesão do Congresso à Carta Magna. Lula esteve entre os parlamentares constituintes mais relapsos. Dizia abertamente que aquilo não servia pra nada; que era a Casa dos 300 picaretas;


- quando Collor renunciou, e Itamar Franco assumiu a Presidência, o país chegara a uma espécie de grau zero da legalidade. O PT se negou a participar do governo porque as pesquisas indicavam que Lula era o favorito para sucedê-lo. Cumpria, pois, ficar na oposição, malhando o governo;


- o PT expulsou Luíza Erundina, que aceitou ser ministra do presidente Itamar Franco;


- o PT se opôs ferrenhamente ao Plano Real e sustentava que ele era contra os trabalhadores;


- o PT se opôs ao programa de reestruturação de bancos —  para o partido, nada além de mamata para banqueiros. O Proer é a base da solidez do sistema bancário brasileiro, que resistiu muito bem à crise global;


- o PT se opôs ao programa de reestruturação dos bancos estaduais, fonte permanente de desastres para os estados;


- o PT se opôs às privatizações, que retiraram o país da taba;


- o PT se opôs às reformas constitucionais, parte delas apresentada pelo próprio partido em 2003;


- o PT recorreu ao Supremo contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que Palocci passou a considerar “inegociável ” e “intocável” só a partir de 1º de janeiro de 2003;


- hoje, o PT sabota o programa de reestruturação da educação e da saúde em São Paulo.

Volto a Tancredo


A homenagem a Tancredo, com 25 anos de atraso, é a expressão de um método, além de ser ato do mais rasteiro eleitoralismo. O partido, costumo dizer, instituiu o presente eterno na política. Pouco importa o que tenha feito, sempre estará a defender o seu ato mais recente, como se a história não existisse. Sim, partidos podem mudar de rumo. O Trabalhista, da Inglaterra, dizia-se marxista e socializante. Antes da ascensão de Tony Blair, houve por bem rever os seus conceitos. Não chegou a ser um mea-culpa. Foi uma revisão: “Estamos errados; não podemos mais pensar isso”. E mudaram seus estatutos e sua prática.

O PT não revê coisa nenhuma. Sua teoria é outra e já foi exemplarmente exposta por Lula. Trata-se, como ele revelou numa entrevista concedida ainda em 2003, da Teoria da Bravata. Ele acha normal que um partido defenda uma coisa quando está na oposição e o seu oposto quando está na situação.

Essa postura é de tal sorte escandalosa que, no debate sobre a reforma da Previdência que Lula decidiu fazer em 2003 (depois de tê-la atacado severamente no governo FHC), os deputados federais do partido defendiam a proposta para os servidores da Unhião, mas os deputados estaduais de São Paulo se opunham a texto idêntico para os funcionários do Estado. Afinal, o partido era governo no Brasil, mas era oposição em São Paulo.

Para ficar na zoologia dilmística, vemos agora a petista posar (Emir Sader escreveria “pousar”) de cordeiro no túmulo de Tancredo, embora o partido tenha sido o lobo de todos os que lutaram, antes dele, para fazer um país melhor.
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