sexta-feira, 19 de março de 2010

De oportunismos e vigarices


Devo muito a Reinaldo Azevedo. A cada vez que o leio, boa parte das minhas indefinições, ao menos no que diz respeito à política, esvanecem. É raro preconceitos e impropérios os mais absurdos condensarem-se com tamanha clareza, abrangência e periodicidade, numa prosa em que prepotência e ignorância complementam-se com tanto rigor, nascidas uma para a outra como são. Apesar dessa dívida moral, me sinto obrigado a comentar alguns aspectos do texto reproduzido mais abaixo.

Em termos de desempenho, os alunos formados na rede estadual de São Paulo sequer terminam o ensino fundamental. É uma prova aplicada pelo próprio governo que afirma isso. O Saresp mostrou que os resultados dos alunos do terceiro ano do ensino médio estão abaixo do esperado para a oitava série do ensino fundamental. Um otimismo esforçadíssimo do secretário Paulo Renato declarou ser de suma importância reconhecer o pequeno avanço que houve, enquanto professores da USP e da Unicamp o qualificaram de “tímido” a “pífio” (
aqui os textos da Folha). Omitir informações como essas e enfatizar tanto um crescimento no mínimo tímido poderia ser qualificado como oportunismo eleitoral e vigarice. Mantenhamos, contudo, o nível.

“De todas as mentiras, a mais escandalosa é a que assegura que os professores estão sem reajuste desde 2005. Daquele ano até 2009, a folha de pagamentos da Secretaria de Educação saltou de R$ 7,8 bilhões para R$ 10,4 bilhões.” Lição de rigor lógico. Crescimento da folha significa necessariamente aumento de salário? Fora isso, estou com um material de divulgação dos professores que não afirma a “mais escandalosa das mentiras”. Diz que houve reajuste de 5% em 2008. Resultante, aliás, de uma greve. É de se apurar ainda o quanto do aumento se deveu ao piso salarial implantado nacionalmente, a partir de uma iniciativa de lei de Cristovam Buarque.

Os grevistas dizem que o pedido “delirante” de 34,3% de aumento corresponde às perdas salariais desde 1998. Se houve diminuição de salário real, penso que isso deve ser repetido à exaustão, o que já justificaria o índice. Lembro de quando fiz uma reportagem para o jornal laboratório da Facom/Ufba por volta de 2000 (rapaz, estou velho). Um servidor, com salário congelado há tempos, me contou que os anos FHC representaram para ele uma verdadeira mudança de classe: por exemplo, seus filhos saíram de escolas particulares para públicas, que, infelizmente, tampouco são exemplares na Bahia.

Quanto aos professores, que igualmente viviam tempos de aperto, naquela época o então ministro Paulo Renato também buscava implantar medidas “meritocráticas”. Sem querer por ora entrar no mérito (é, literalmente), o que me parece inaceitável é acréscimos por rendimento se implementarem à custa de direitos básicos, como o reajuste salarial de acordo com a inflação.

Provavelmente a greve tem motivações eleitorais, assim como o texto de Reinaldo Azevedo. Aliás, é lamentável que a educação pareça estar tão longe da pauta dos candidatos, e só por isso já me sentiria solidário aos professores grevistas. Pelo mesmo motivo agradeço ao colega de blog que trouxe a questão.

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