segunda-feira, 29 de março de 2010

Perguntar não ofende... (resposta)

Fico feliz por um comentário apressado, feito no calor do momento, ter estimulado intervenção tão minunciosa como a do colega do blog, na postagem anterior. Agora sim, ao debate!

"1. O serviço de inteligência dos diversos órgãos governamentais faz uso legítimo de agentes infiltrados para conduzir investigações, levantar informações e antecipar-se a conflitos e ataques. Ou você acha que as famosas operações da Polícia Federal descobrem e prendem corruptos e bandidos por meio de atividades paranormais?"

É verdade, isso é legítimo, sobretudo quando se trata de órgãos estatais (por exemplo PF e Ministério Público, com a devida autorização judicial), e não governamentais. A participação do suposto agente infiltrado, pelo que sei, ainda está em aberto, bem como o julgamento sobre sua legitimidade.

"2. Por quais métodos você acredita que os governos de Cuba, China, Coreia do Norte, Venezuela e ex-Rússia descobrem, prendem, torturam e matam opositores políticos? Devolvo a pergunta, com outros termos: Por que um BANDIDO ARRUACEIRO estava na manifestação, e tão bem fantasiado de grevista? Os Sindicato dos Professores de São Paulo vai incluir na pauta de reivindicações a não abertura de sindicância contra o autor da paulada? Será esse mais um caso de pedido contra a "criminalização dos movimentos sociais"?"

O apoio que eu vinha fazendo aqui no blog à greve dos professores não me parece conduzir diretamente a uma conivência com os serviços secretos de Cuba, China, Coreia do Norte, Venezuela e Rússia (ex-URSS), ou então se poderia aproximar o seu posicionamento, legítimo, aos torturadores dos regimes militares da América do Sul, a Guantánamo, ao apoio à escravidão no séc. XIX, etc., algo que eu não consideraria fazer. E não entendi como a segunda pergunta é a mesma, em outros termos, a não ser que os professores sejam agentes daqueles órgãos de inteligência. Isso me parece inverossímil, muito embora a busca por outras ocupações até parecesse justificável frente aos péssimos salários da classe. Não sei o que o sindicato vai fazer, mas a essa altura já foram abertos inquéritos por parte da polícia, com certeza. Quanto à última pergunta, penso que a criminalização dos movimentos sociais não tem essa acepção tão restrita e literal, mas se aplica também às generalizações que chamam os grevistas de "bandidos arruaceiros". Tomara você não seja do tipo que aderiu a elas.

"3. Você se refere a casos que presenciou, quando pessoas atiçavam os manifestantes a agredir policiais para que estes "se defendessem". Como você soube ou descobriu que elas eram agentes infiltrados? Por que você não revelou a identidade deles aos demais manifestantes, antes ou depois do ocorrido? Se você soube desses casos por terceiros, quem te contou: os agentes infiltrados ou os manifestantes "legítimos" do movimento?"

Essa preciso com honestidade conceder a você. Como se tratou de um comentário apressado, minhas palavras afirmaram uma certeza que eu não tinha. Acredito que isso não deslegitima o meu questionamento, contudo.

"4. Por que é tão difícil admitir ou mesmo imaginar que existem pessoas sem caráter e sem vergonha nos movimentos sociais? Os que participam deles são automaticamente "as pessoas do bem" e os que discordam deles automaticamente os "agentes do mal"?"

Bom, aí você parte de um pressuposto com o qual não concordo. Para mim, ao menos, não é nada difícil. Tampouco considero correto fazer a generalização contrária, reduzindo um movimento com reivindicações legítimas e de interesse de toda sociedade a uma baderna de arruaceiros.

"5. Pela sua lógica, os que provocam atos violentos em movimentos semelhantes são agentes infiltrados. Também o eram os manifestantes que agrediram o falecido governador Mario Covas numa greve passada de professores em São Paulo? Foi esse o caso do "professor" que jogou ovos contra o carro do governador José Serra nessa greve atual? Podemos dizer o mesmo dos grevistas da Usp em 2007 que invadiram, depredaram e roubaram a reitoria da universidade? É do mesmo grupo os manifestantes da mesma universidade que jogaram objetos em 2009 contra policiais militares antes de terem sido reprimidos pela força policial?"

Mais uma vez, o pressuposto é falso. Não disse que "os que provocam atos violentos... etc.". Isso nos remete a um dos artifícios de Como vencer um debate sem ter razão:

"Nº 1. Leve a proposição do seu oponente além dos seus limites naturais; exagere-a. Quanto mais geral a declaração do seu oponente se torna, mais objeções você pode encontrar contra ela. Quanto mais restritas as suas próprias proposições permanecem, mais fáceis elas são de defender."

Pensei que você tinha nos enviado esses e outros ensinamentos de Schopenhauer para condenar sua utilização nos debates, e não para aplicá-los. A ideia aqui não é apenas vencer o oponente, certo?

"6. Voltando à atual greve dos professores, quem atirou a primeira pedra: o agente infiltrado que enfraqueceu a índole pacífica dos sindicalistas OU o sindicalista que mandou a paulada na cara da policial? Finalmente, por que tais sindicalistas e grevistas são manipulados e corrompidos tão facilmente por esses agentes infiltrados? Se eles praticamente são tão pacíficos e revolucionários como os seguidores de Gandhi e Martin Luther King, por que não usam a mesma luta pacífica de não resistência e protesto que os movimentos pela independência da Índia e os direitos civis nos EUA?"

Ao contrário de você, eu não sei se houve agente infiltrados para "enfraquecer a índole pacífica" de ninguém. Há violência nos movimentos sociais. Essa violência necessariamente é a mesma de quem espanca e mata moradores de rua, por exemplo? Não. Vale pensar na violência que acompanhou a Revolução Francesa. Se bem me lembro da bíblia, não foi com gentileza que Jesus expulsou os vendilhões do templo. Fico feliz, de toda forma, de descobrir que compartilhamos a admiração por uma figura como a de Gandhi. Ele, de fato, seguiu um caminho que me parece mais inteligente e correto.

"7. Segundo você, a foto em questão não retrata "covardia e truculência" pelo fato de não sabemos o bastante sobre ela. Você está errado. A única informação que não temos sobre ela, segundo diversos blogues políticos e sites de notícias, é APENAS o nome do policial à paisana. Sabemos o contexto da greve em que foi tirada, o clima de selvageria e bandidagem promovido pelos sindicalistas, o ato agressivo da paulada no rosto e o nome da policial ferida pelos manifestantes. Diante disso, por que a foto não esbanja "covardia e truculência"? Por que a mesma ausência de informações não tornou suspeita a rápida deificação do jovem como um símbolo da solidariedade humana?"

Não sabemos nem o nome nem sua função. É lamentável que a policial tenha se ferido enquanto exercia seu trabalho, que aliás também é pouco reconhecido e muito mal pago. Posso condenar o fato de o governador não negociar, o que em parte levou a situação à condição em que ela está. Difícil julgar policiais individualmente. Contudo, para que houvesse covardia, não seria necessário haver diferença de forças? Alguém desarmado, contra alguém armado? Ou é por uma questão de gênero? Se fosse um policial homem, não seria covardia? Repito, considero lamentável que tenha havido o confronto, e não vitimizo o agressor da policial. Se por truculência entende-se violência, de fato seu ato foi violento, mas a palavra me parece carregar um quê de crueldade que não se aplica a primeiras ou segundas pedras lançadas no calor desse tipo de embate, e sim ao que fazia o DOI-CODI e ao que faz PARTE DA polícia que espanca crianças e adolescentes, executa jovens de periferia sem nenhuma ligação com o crime - como ocorreu na época dos ataques do PCC - e extorque comerciantes.

Quanto à "deificação", ela de fato mostra como é preciso cuidado para que nossas paixões não nos façam perder a lucidez que é possível. Mostra também que fotos e vídeos, numa sociedade como a nossa, podem e devem servir para compor as discussões (e a lingua tampouco é inocente), mas não para pôr fim a elas e se impor a qualquer questionamento. Ainda bem que você abandonou esse método!

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