A Folha publicou hoje um debate sobre o projeto do Procultura. Como estou por fora, sondei uns amigos, e recebi o email abaixo, um bocado esclarecedor.
"Ainda não conheço bem a fundo o texto da nova lei, mas o que acontece é que o MinC vem há algum tempo discutindo e revisando a Lei Rouanet com a proposta de melhorar os mecanismos de incentivo à cultura. Na prática, acho que o MinC quer fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, torná-lo o mecanismo central de financiamento e diminuir a força do mecanismo de renúncia fiscal.
Eu particularmente não gosto da renúncia fiscal e acho até que essa ferramenta deveria ser extinta do Procultura. Esse mecanismo funcionou e foi importante no período pós-Collor, foi importante para impulsionar a produção cultural no país, mas hoje eu acho que serve mais como uma ferramenta de autopromoção das empresas patrocinadoras à custa do dinheiro público. Isso porque as empresas primeiro ganham com a renúncia fiscal e segundo têm a sua marca veiculada junto ao nome do evento/produto. E um ponto importante é que é obrigatório para quem realiza o evento/produto destinar uma quantia considerável da verba para a divulgação do evento/produto e é obrigatório constar a marca do governo e do MinC e dos patrocinadores. Hoje é de conhecimento comum a importância do Marketing Cultural e a força dessa ferramenta de marketing junto ao público consumidor. Se há renúncia fiscal, quem paga pelos projetos culturais somos nós, contribuintes. E, na prática, estamos investindo na propaganda das empresas patrocinadoras. Acho que a birra de muitos "agentes culturais" com a mudança na Lei Rouanet é que até hoje a renúncia fiscal tinha sido o principal mecanismo de incentivo cultural e eles não querem ver uma diminuição da verba do MinC destinada a esse mecanismo. Ora, eles possuem o mais importante, que é o contato com as empresas patrocinadoras. Assim, para esses agentes é mais fácil conseguir o patrocínio do evento/produto por essa via.
OBS.: Como funciona a renúncia fiscal - Se o projeto tem 30% de renúncia fiscal, por exemplo, o patrocinador receberá de volta 30% do valor total investido no projeto, em forma de abatimento no pagamento de impostos. Isso significa que ele, o patrocinador, paga 70% do projeto e o Governo paga os 30% restantes.
O FNC, por outro lado, é um mecanismo de investimento direto do Governo em projetos culturais, via editais, ou seja, via licitação. Além de eliminar os intermediários (as empresas patrocinadoras) esse mecanismo será dotado de maior isonomia, já que o MinC promete divulgar os critérios de seleção e criar comissões setoriais, com participação da sociedade civil, para a avaliação dos projetos. O Procultura prevê um fortalecimento do FNC e a criação de fundos setoriais, que atuarão segundo a especificidade de cada campo da cultura/arte (Artes visuais, artes cênicas, Literatura etc). Isso significa que o governo destinará a maior parte da verba do MinC para os editais do Fundo, o que diminui a força da renúncia fiscal. A lei prevê também algumas novidades:
* CNIC - órgão colegiado do MinC que será formado por representantes do Governo, artistas, acadêmicos e especialistas, empresários e entidades da área cultural/artística. Esse órgão será responsável, entre outras coisas, por definir a política de utilização dos recursos e aprovar a proposta orçamentária do Procultura.
* Incentivo para que fundações culturais (como museus, orquestras..) criem seus próprios fundos de investimento em projetos ligados à sua área
* Fundo de Investimento em Cultura e Arte (Ficart) - uma modalidade de financiamento em que o investidor torna-se sócio do projeto cultural
* A renúncia fiscal ganhará novas faixas percentuais de contrapartida, de 60%, 70%, 80% e 90%, (no modelo atual são duas, 30% e 100%) e agora quem definirá a faixa aplicável a cada projeto é a CNIC (no modelo atual o percentual é definido pelo tipo de linguagem. Por exemplo, música clássica tem 100% e música popular tem 30%).
* Vale-Cultura - o Bolsa Família da cultura, o mais comentado num evento em que eu participei em Sampa. Os trabalhadores de baixa renda receberão um cartão magnético com crédito de R$50,00 por mês para gastar com produtos ou eventos culturais.
Em torno do Vale-Cultura há um grande debate: muitos acham que setores como o cinema serão beneficiados em detrimento de produtos culturais menos "acessíveis", que o governo deve primeiro investir em educação artística para o consumo, que deve haver critérios para utilização etc. Eu preciso ler mais para saber se somente os trabalhadores formais terão esse benefício. Acho que o benefício não deveria ser para trabalhadores somente, mas para todas as famílias de baixa renda.
Um dos pontos que eu gosto muito é o do investimento em pesquisa no campo cultural. Em torno disso o governo lançou no ano passado um edital em parceria com o CNPQ (http://www.cultura.gov.br/site/2008/11/10/edital-pro-cultura-capesminc-apoio-a-pesquisa-sobre-cultura/) e um na área de cinema para publicação de teses e dissertações.
O que eu acho sobre os pontos levantados pelo Leonardo Brant:
Primeiro, eu não simpatizo muito com ele. Acho que ele (Brant) vê a produção de cultura dentro de uma lógica de produção que funciona em São Paulo (e talvez no Rio), mas que eu acho que não funciona no resto do Brasil. Para ele, eu acho, quem deveria ditar as regras de funcionamento deveria ser o mercado (investidores e artistas - sendo que os segundos estão sempre no lado mais fraco da corda).
Não acho que o Procultura "desinstitucionaliza" a gestão pública da cultura, mas, talvez sim personaliza (e não poderia deixar de ser, eu acho) no sentido de a gestão pública ser o reflexo do pensamento de quem está no poder. Sempre é assim, não é? As políticas públicas são definidas pelo programa de cada governo. A questão de centralizar na figura do Ministro eu acho que é exagerada. Não acho que Juca dite todas as regras sem consultar os secretários (pelo menos, em todas as palestras que assisti eu senti que os representantes do MinC eram bastantes entusiasmados com os programas do ministério).
Na minha opinião a CNIC não deve mesmo ter poder decisório, mas sim, consultor. Acho inclusive que esse órgão será, na prática, uma loucura, com cada membro querendo defender o seu próprio pedaço de pão, ou o do seu setor. No nosso atual contexto acho que o Estado tem mesmo que ter um papel central e ser o comandante no desenvolvimento e profissionalização do setor cultural.
Acho que as críticas deles não são válidas:
"O FNC e o Ficart, nunca atuaram adequadamente" - a proposta do Procultura é justamente fortalecer esses mecanismos.
"Um só guichê para atender as mais diferentes áreas da produção cultural" - a criação dos Fundos Setoriais é uma medida para evitar isso.
A Lei Rouanet como salvação da cultura nacional é exagero - a lei no formato atual tornou os artistas reféns dos patrocinadores. Se você for comparar os programas de incentivo à cultura dos grandes investidores (Itau, Petrobrás, Caixa, BB...) são todos muito parecidos, fechados à produções de pequeno alcance de público e que contribuem para a homogeneização da produção cultural nacional. Hoje os produtores culturais têm um feeling sobre o que tem chances ou não de ser patrocinado e isso reflete na produção dos artistas. Eu digo isso porque vi acontecer de perto: "Ah, não vamos produzir esse espetáculo porque não se encaixa no programa da Petrobras".
"Com um verniz de participação democrática, lançou uma consulta pública e diz ter recebido mais de 2.000 contribuições. Sem apresentar transparência ou qualquer critério de qualificação das propostas..." - O MinC criou algumas janelas de diálogo com o público em geral para discutir a Lei Rouanet. A principal delas foram os Blogs do MinC, que eu achei uma iniciativa válida. Os blogs são muito instrutivos e mais interessante do que os textos do MinC são os comentários dos usuários. Através deles é possível saber como artistas e produtores de cada área lidam com a Lei Rouanet e quais são as principais questões levantadas em torno das mudanças. Também, muitos dos comentários recebem réplica de funcionários do MinC o que demonstra que o ministério está interessado no debate e em estimular a participação popular. Aconteceram também encontros, conferências e fóruns, inclusive o primeiro encontro foi em Salvador. Seria interessante sim divulgar os critérios de seleção das idéias e propostas, mas não essencial, uma vez que o mais importante é conhecer o corpo da lei, isto é, conhecer aquilo que efetivamente será implantado.
Alguns blogs do MinC:
Blog da reforma: http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/o-que-muda-com-a-nova-lei-da-cultura/
Blog do Vale Cultura: http://blogs.cultura.gov.br/valecultura/
Blog do PNC: http://blogs.cultura.gov.br/pnc/
O projeto de lei Procultura: http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/03/74194/"
JJ
"Ainda não conheço bem a fundo o texto da nova lei, mas o que acontece é que o MinC vem há algum tempo discutindo e revisando a Lei Rouanet com a proposta de melhorar os mecanismos de incentivo à cultura. Na prática, acho que o MinC quer fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, torná-lo o mecanismo central de financiamento e diminuir a força do mecanismo de renúncia fiscal.
Eu particularmente não gosto da renúncia fiscal e acho até que essa ferramenta deveria ser extinta do Procultura. Esse mecanismo funcionou e foi importante no período pós-Collor, foi importante para impulsionar a produção cultural no país, mas hoje eu acho que serve mais como uma ferramenta de autopromoção das empresas patrocinadoras à custa do dinheiro público. Isso porque as empresas primeiro ganham com a renúncia fiscal e segundo têm a sua marca veiculada junto ao nome do evento/produto. E um ponto importante é que é obrigatório para quem realiza o evento/produto destinar uma quantia considerável da verba para a divulgação do evento/produto e é obrigatório constar a marca do governo e do MinC e dos patrocinadores. Hoje é de conhecimento comum a importância do Marketing Cultural e a força dessa ferramenta de marketing junto ao público consumidor. Se há renúncia fiscal, quem paga pelos projetos culturais somos nós, contribuintes. E, na prática, estamos investindo na propaganda das empresas patrocinadoras. Acho que a birra de muitos "agentes culturais" com a mudança na Lei Rouanet é que até hoje a renúncia fiscal tinha sido o principal mecanismo de incentivo cultural e eles não querem ver uma diminuição da verba do MinC destinada a esse mecanismo. Ora, eles possuem o mais importante, que é o contato com as empresas patrocinadoras. Assim, para esses agentes é mais fácil conseguir o patrocínio do evento/produto por essa via.
OBS.: Como funciona a renúncia fiscal - Se o projeto tem 30% de renúncia fiscal, por exemplo, o patrocinador receberá de volta 30% do valor total investido no projeto, em forma de abatimento no pagamento de impostos. Isso significa que ele, o patrocinador, paga 70% do projeto e o Governo paga os 30% restantes.
O FNC, por outro lado, é um mecanismo de investimento direto do Governo em projetos culturais, via editais, ou seja, via licitação. Além de eliminar os intermediários (as empresas patrocinadoras) esse mecanismo será dotado de maior isonomia, já que o MinC promete divulgar os critérios de seleção e criar comissões setoriais, com participação da sociedade civil, para a avaliação dos projetos. O Procultura prevê um fortalecimento do FNC e a criação de fundos setoriais, que atuarão segundo a especificidade de cada campo da cultura/arte (Artes visuais, artes cênicas, Literatura etc). Isso significa que o governo destinará a maior parte da verba do MinC para os editais do Fundo, o que diminui a força da renúncia fiscal. A lei prevê também algumas novidades:
* CNIC - órgão colegiado do MinC que será formado por representantes do Governo, artistas, acadêmicos e especialistas, empresários e entidades da área cultural/artística. Esse órgão será responsável, entre outras coisas, por definir a política de utilização dos recursos e aprovar a proposta orçamentária do Procultura.
* Incentivo para que fundações culturais (como museus, orquestras..) criem seus próprios fundos de investimento em projetos ligados à sua área
* Fundo de Investimento em Cultura e Arte (Ficart) - uma modalidade de financiamento em que o investidor torna-se sócio do projeto cultural
* A renúncia fiscal ganhará novas faixas percentuais de contrapartida, de 60%, 70%, 80% e 90%, (no modelo atual são duas, 30% e 100%) e agora quem definirá a faixa aplicável a cada projeto é a CNIC (no modelo atual o percentual é definido pelo tipo de linguagem. Por exemplo, música clássica tem 100% e música popular tem 30%).
* Vale-Cultura - o Bolsa Família da cultura, o mais comentado num evento em que eu participei em Sampa. Os trabalhadores de baixa renda receberão um cartão magnético com crédito de R$50,00 por mês para gastar com produtos ou eventos culturais.
Em torno do Vale-Cultura há um grande debate: muitos acham que setores como o cinema serão beneficiados em detrimento de produtos culturais menos "acessíveis", que o governo deve primeiro investir em educação artística para o consumo, que deve haver critérios para utilização etc. Eu preciso ler mais para saber se somente os trabalhadores formais terão esse benefício. Acho que o benefício não deveria ser para trabalhadores somente, mas para todas as famílias de baixa renda.
Um dos pontos que eu gosto muito é o do investimento em pesquisa no campo cultural. Em torno disso o governo lançou no ano passado um edital em parceria com o CNPQ (http://www.cultura.gov.br/site/2008/11/10/edital-pro-cultura-capesminc-apoio-a-pesquisa-sobre-cultura/) e um na área de cinema para publicação de teses e dissertações.
O que eu acho sobre os pontos levantados pelo Leonardo Brant:
Primeiro, eu não simpatizo muito com ele. Acho que ele (Brant) vê a produção de cultura dentro de uma lógica de produção que funciona em São Paulo (e talvez no Rio), mas que eu acho que não funciona no resto do Brasil. Para ele, eu acho, quem deveria ditar as regras de funcionamento deveria ser o mercado (investidores e artistas - sendo que os segundos estão sempre no lado mais fraco da corda).
Não acho que o Procultura "desinstitucionaliza" a gestão pública da cultura, mas, talvez sim personaliza (e não poderia deixar de ser, eu acho) no sentido de a gestão pública ser o reflexo do pensamento de quem está no poder. Sempre é assim, não é? As políticas públicas são definidas pelo programa de cada governo. A questão de centralizar na figura do Ministro eu acho que é exagerada. Não acho que Juca dite todas as regras sem consultar os secretários (pelo menos, em todas as palestras que assisti eu senti que os representantes do MinC eram bastantes entusiasmados com os programas do ministério).
Na minha opinião a CNIC não deve mesmo ter poder decisório, mas sim, consultor. Acho inclusive que esse órgão será, na prática, uma loucura, com cada membro querendo defender o seu próprio pedaço de pão, ou o do seu setor. No nosso atual contexto acho que o Estado tem mesmo que ter um papel central e ser o comandante no desenvolvimento e profissionalização do setor cultural.
Acho que as críticas deles não são válidas:
"O FNC e o Ficart, nunca atuaram adequadamente" - a proposta do Procultura é justamente fortalecer esses mecanismos.
"Um só guichê para atender as mais diferentes áreas da produção cultural" - a criação dos Fundos Setoriais é uma medida para evitar isso.
A Lei Rouanet como salvação da cultura nacional é exagero - a lei no formato atual tornou os artistas reféns dos patrocinadores. Se você for comparar os programas de incentivo à cultura dos grandes investidores (Itau, Petrobrás, Caixa, BB...) são todos muito parecidos, fechados à produções de pequeno alcance de público e que contribuem para a homogeneização da produção cultural nacional. Hoje os produtores culturais têm um feeling sobre o que tem chances ou não de ser patrocinado e isso reflete na produção dos artistas. Eu digo isso porque vi acontecer de perto: "Ah, não vamos produzir esse espetáculo porque não se encaixa no programa da Petrobras".
"Com um verniz de participação democrática, lançou uma consulta pública e diz ter recebido mais de 2.000 contribuições. Sem apresentar transparência ou qualquer critério de qualificação das propostas..." - O MinC criou algumas janelas de diálogo com o público em geral para discutir a Lei Rouanet. A principal delas foram os Blogs do MinC, que eu achei uma iniciativa válida. Os blogs são muito instrutivos e mais interessante do que os textos do MinC são os comentários dos usuários. Através deles é possível saber como artistas e produtores de cada área lidam com a Lei Rouanet e quais são as principais questões levantadas em torno das mudanças. Também, muitos dos comentários recebem réplica de funcionários do MinC o que demonstra que o ministério está interessado no debate e em estimular a participação popular. Aconteceram também encontros, conferências e fóruns, inclusive o primeiro encontro foi em Salvador. Seria interessante sim divulgar os critérios de seleção das idéias e propostas, mas não essencial, uma vez que o mais importante é conhecer o corpo da lei, isto é, conhecer aquilo que efetivamente será implantado.
Alguns blogs do MinC:
Blog da reforma: http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/o-que-muda-com-a-nova-lei-da-cultura/
Blog do Vale Cultura: http://blogs.cultura.gov.br/valecultura/
Blog do PNC: http://blogs.cultura.gov.br/pnc/
O projeto de lei Procultura: http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/03/74194/"
JJ
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