domingo, 28 de março de 2010

Mídia e pesquisas: garantindo as aparências?

Não percebo indícios suficientes de que houve manipulação por parte da Folha de S. Paulo na pesquisa do Datafolha que mostrou crescimento de Serra, no sábado. De fato, podemos estranhar algumas coisas: a proximidade entre a realização e a divulgação, como apontou Renato; a conveniência para Serra, dado que a sua candidatura se deu por anunciada esta semana e será oficialmente lançada em breve; o fato de nenhuma outra pesquisa ter apontado semelhante tendência, ao menos que eu saiba.

Quanto às condições de realização e divulgação, seria preciso ter algum conhecimento a respeito do funcionamento usual das pesquisas. Com os recursos de hoje, não me parece inverossímil essa rapidez. O acesso antecipado dos colunistas do próprio jornal à pesquisa também não me causa estranheza.

A pesquisa divulgada hoje, e a manchete do jornal, “Popularidade de Lula bate recorde”, aparentemente não demonstram uma campanha serrista a todo custo. Se bem que o corpo do texto faz questão de, com base nos números do dia anterior, mostrar a capacidade limitada de transferência de votos do presidente para Dilma.


Não colocaria minha mão no fogo quanto ao comportamento desse grupo empresarial, mas pode-se pensar se é de fato acertado fazer, como de todo lado se faz, a condenação da chamada grande imprensa em bloco. No Brasil, os interesses empresariais ligados ao de uma minoria política são por certo dominantes nesse setor, o que tem conseqüências as mais funestas para nossa tão hesitante democracia e justifica a necessidade de profundas mudanças. Mas talvez tenha havido, e haja, sim, espaço para alguma pluralidade. Lembro de repetidas afirmações de Lula (já não tão recorrentes) de que a imprensa teve um papel fundamental na construção do seu percurso político.

Além disso, para que se vendam jornais e revista, costuma-se pensar que é necessário manter o mínimo de "qualidade jornalística" – embora uma publicação como a Veja venha se esforçando para derrubar esse princípio. É a tal da construção da “credibilidade”, que faz os anúncios de grandes jornais serem mais caros do que de revistas de fofoca, muito embora estas vendam mais. E só se consegue isso se houver jornalistas preparados e com algum senso de autonomia, ainda que por vezes ilusório. Por mais que os proprietários imponham seus interesses – e no fim provavelmente eles impõem mesmo – podem se constituir disputas nas redações sobre o que e como é publicado, com maior ou menor probabilidade de êxito por parte dos jornalistas. É claro que provavelmente na maioria dos casos tenha se perdido a combatividade da classe, e vejamos reinaldos mais reais (e surreais) do que os reis.

Um exemplo desse caráter de disputa que estou sugerindo (ou desejando?) existir na realidade da produção jornalística pode ser visto num post da semana retrasada de Lúcio de Castro, repórter da ESPN que passou pela Globo e parece não ter gostado do que viu. Ele trata de uma matéria que iria ao ar no Fantástico sobre um suposto envolvimento de Adriano com o tráfico (importante: ela acabou não indo, o que ele mesmo comenta em outro post). Lúcio questiona se a Globo tem moral de criticar Adriano quando já recusou reportagens suas a respeito de maracutaias no futebol: ”Porque pessoas que determinam não poder ir ao ar denúncias que envolvem dinheiro público no esporte, desvio de verbas públicas no esporte, acumulação ilícita de dinheiro por cartolas, não têm autoridade moral para botar no ar coisas que não podem incriminar alguém. Se a decisão é fazer do esporte apenas entretenimento, que se faça apenas entretenimento, e isso não valha para uns e para outros não.” Mais adiante, relembrando dos antigos colegas, faz uma ressalva: “conheci ali muita gente de imensa coragem, colegas a quem respeito imensamente, que seguem combatendo o bom combate, apurando verdades, mesmo que elas esbarrem em forças ocultas maiores e não sejam publicadas”. Corporativismo? Cordialidade? Talvez haja algo disso.

Vale lembrar, ainda, que a mesma Folha vem sendo acusada, no caso da greve dos professores da rede pública paulista, vejam vocês, de petismo. O autor, como não, é de novo Reinaldo Azevedo. Por outro lado, quando se reduzem publicações como essa, sem dúvida passíveis de longas e justas críticas, ao tucanismo, corre-se o risco de facilitar a coisa justamente para a grande imprensa. Fiquemos no exemplo da Folha. Para sustentar sua liderança de mercado, o jornal vem alimentando o discurso de que produz um jornalismo apartidário, moderno, crítico. A publicação é mestra em sustentar como possível um ideal, para não dizer um mito, de imparcialidade e objetividade. Honestamente, acredito que o maior partido da Folha e de outras empresas é o capital especulativo. Lembro de um relato isento que ouvi, segundo o qual o diretor de redação Otávio Frias Filho, em assembléia para acionistas, disse que o compromisso do jornal era primeiramente com eles. Nos manuais de redação, acho bem provável que a coisa mude, e esse “eles” vista a máscara de “interesse do leitor”. Concordo que esse interesse se aproxime mais ao da candidatura de Serra.

Não poderia deixar de mencionar, por outro lado, recentes e antigos péssimos papéis da publicação. No resumo de Paulo Henrique Amorim: "Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da 'ditabranda'; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de 'bom caráter', porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que avacalha o Presidente Lula por causa de um comercial de TV; que publica artigo sórdido de ex-militante do PT; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores."

Mas quando, a cada notícia, partidários de um lado ou de outro buscam provas do comprometimento do jornal ao adversário, imagino o seu dono a refestelar-se, pois garantiu com seu leitor o necessário pacto de confiança. A aparência de imparcialidade está garantida. Como evitar esse efeito sem deixar de exercitar uma justa desconfiança? Seria contraditório sustentar uma imparcialidade que indicamos não haver no outro. Mesmo quando uma revista como a CartaCapital de forma corajosa toma a atitude de assumir posicionamento político (e até eleitoral) claro, como reafirmou Mino Carta por esses dias, há leitores que não se satisfazem, e tendem a preferir os artifícios de apartidarismo. Agradar a todos não é possível e nem desejável. Resta, talvez, que se busque enfatizar o caráter farsesco do discurso da imparcialidade mesmo, mas não de qualquer forma.

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